Portugal: Infanta Dona Maria Adelaide de Bragança completa 100 anos
O mesmo pedaço de papel que a levou aos calabouços da Gestapo salvou-a da deportação para a Sibéria. Em 1945, Dona Maria Adelaide, neta do rei Dom Miguel I, foi presa pela segunda vez pela polícia política do III Reich em Viena, na Áustria ocupada pelos nazis. Tinha 33 anos. Acusaram-na, e com razão, de pertencer a uma célula da resistência.
De facto, Dona Maria Adelaide pertencia ao 05, um grupo que fazia sabotagens e acções subversivas contra a ocupação alemã. A Infanta de Portugal foi detida devido ao descuido de um militante comunista – que se deixou prender na posse de um papel com o seu número de telefone.
Desta vez, Salazar não a podia salvar. No ano anterior, Dona Adelaide e a irmã Benedita tinham sido presas pela Gestapo – que as prendeu por estas escutarem as emissões de rádio da BBC, proibidas na Áustria.
O presidente do Conselho conseguiu que as duas fossem libertadas, mas o cárcere de um mês deu ainda mais razões a Dona Maria Adelaide para lutar. "Nesse momento ainda não trabalhava na resistência. Quando saí da prisão, porém, decidi ser um membro activo. O que ali vi retirou-me qualquer dúvida que resistisse", contou Dona Maria Adelaide na biografia ‘A Infanta Rebelde", de Raquel Ochoa.
A Infanta de Portugal passou a acolher resistentes judeus e ingleses na quinta da família, em Seebenstein, a 70 quilómetros de Viena, e ingressou no grupo de resistência 05. Meses depois, a filha mais nova de Dom Miguel II, filho do Rei expulso de Portugal após a guerra civil no século XIX, estava detida pelos nazis num antigo hotel de Viena e fez chegar ao exterior informações de que estavam guardadas no edifício listas de alvos a abater pela Gestapo.
Católica convicta, rezou por uma bomba que destruísse o edifício, mesmo sabendo que podia morrer. As bombas britânicas não tardaram. Dona Adelaide sobreviveu às explosões, mas a sua ficha desapareceu nas ruínas do hotel onde estava presa.
Ao fim de um mês de cativeiro – em que passou fome e sede, e foi interrogada horas a fio – Viena caiu nas mãos dos comunistas russos. Quando tomaram o local onde Dona Adelaide estava detida, os prisioneiros não tinham quaisquer documentos e os russos não sabiam quem eram os ‘bons’ e os ‘maus’. Por um feliz acaso, a ficha de Dona Maria Adelaide apareceu no chão. Estava lá escrito que fora presa por apoiar um comunista. E assim se livrou da deportação para a Sibéria, destino trágico de vários dos seus companheiros.
NASCIDA NO EXÍLIO
Dona Maria Adelaide é a oitava filha do segundo casamento de Dom Miguel II. Este teve mais três filhos de uma primeira união, tendo ficado viúvo muito cedo. Nascida na Áustria, onde o avô e depois o pai estavam exilados, Dona Maria Adelaide era cúmplice de brincadeiras e tropelias do irmão Duarte Nuno, cinco anos mais novo, que se tornou Herdeiro da Coroa Portuguesa após a morte do pai, em 1927. Nessa altura, é já ponto assente que a sucessão do trono português passaria para os descendentes do Rei Dom Miguel I.
Em 1912, Dom Manuel II, o último Rei de Portugal, e Dom Miguel II, Pai de Dom Duarte Nuno e Dona Adelaide, acordaram em Dover, Inglaterra, que caso Dom Manuel II não tivesse filhos, a sucessão passaria para os descendentes do Rei Dom Miguel I. Foi o que aconteceu, mas Dom Duarte Nuno só foi autorizado pelo regime de Salazar a viver em Portugal em 1951. Dona Adelaide é tia direita de Dom Duarte Pio, filho de Dom Duarte Nuno, o actual Herdeiro ao Trono Português, abolido na revolução de 1910.
AO SERVIÇO DOS OUTROS
Formada como assistente social, Dona Maria Adelaide trabalhou como enfermeira em Viena após o fim da II Guerra Mundial. Conheceu o estudante de medicina holandês Nicolaas van Uden, com quem casou em 1945 e de quem teve seis filhos. Três anos depois chegaram a Portugal, já após o nascimento dos primeiros dois filhos. Maria falava português, mas só conhecia o país das lições da sua preceptora de infância. Ficou chocada com a realidade social que encontrou.
No livro ‘A Infanta Rebelde’ conta porquê: "Chocou-me profundamente essa miséria e as injustiças sociais. Era convidada para as festas, mas não ia, no primeiro ano sim, mas achava as pessoas desinteressantes. Eu passei a ter outros interesses quando descobri como o povo vivia. E não se pode imaginar como o povo passava mal".
Combatente da ditadura de Hitler, Dona Maria Adelaide van Uden reprovava o regime do Estado Novo, mas sabia que devia a sua vida a António de Oliveira Salazar: "Eram tempos estranhos, lembro-me de uma mulherzinha apanhar um papel do chão de uma propaganda comunista e ser logo presa. Quando me apercebi dessas injustiças insurgi-me contra o regime. Apesar de eu admirar Salazar, juntei-me a outras pessoas para lutar contra ele. O problema é que à minha família impunha-se o inesquecível agradecimento ao presidente do Conselho, pois quando a Alemanha invadiu a Áustria ele concedeu-nos passaportes diplomáticos", contou na biografia.
MULHER DE CAUSAS
Dona Maria Adelaide instalou-se com a família num palácio na Trafaria e presidiu durante décadas à Fundação D. Nuno Álvares Pereira, em Porto Brandão, no apoio aos mais desprotegidos. A família vivia com dificuldades económicas, mas Dona Adelaide, que sobreviveu a duas guerras mundiais, sabia que havia gente a passar muito pior. O marido teve de repetir em Portugal o curso de Medicina – não lhe foram reconhecidas equivalências para exercer – e dedicou-se à investigação científica. Fundou o Instituto Gulbenkian de Ciência. Morreu em 1991.
Esta semana, os 100 anos de Dona Maria Adelaide juntaram família, amigos e partidários da Causa Monárquica num jantar em Lisboa. O Presidente da República quis associar-se à celebração atribuindo-lhe a Ordem de Mérito Civil. Uma vida única, que a própria descreveu numa frase: "Sei que a minha vida foi diferente do que poderia ter sido porque estive disposta a morrer por uma causa. Sei o que isso quer dizer. Sei que não há mal que resista a um grupo de pessoas com ideias".
Correio da Manhã de 05 de Fevereiro de 2012
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Correio da Manhã de 05 de Fevereiro de 2011
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