Dom Luiz: prefácio do livro "A Travers l’Hindo-Kush" - "Onde quatro Impérios se Encontram"
Prefácio de Làsinha Luís Carlos de Caldas Brito em “Onde Quatro Impérios se encontram” (A Travers l’Hindo-Kush), de Dom Luís de Orleans e Bragança, editora “O Cruzeiro”, 1950, Rio de Janeiro, RJ:
A grafia da época foi conservada
Atrás: Dom Luiz e Dona Maria Pia. Na frente: Dom Pedro Henrique, Dona Isabel, Dona Pia Maria, Conde d'Eu e Dom Luís Gastão.
Grande parte dos brasileiros reserva no coração um lugar destinado ao carinho pela família imperial do Brasil. Outros, pretendendo caminhar com os tempos, fazem tábua raza dêsses sentidos e, mais positivos, ou melhor, mais negativos, encaram essas questões como meras sentimentalidades. Mesmo a êstes – felizmente menos numerosas que os outros, - interessará a figura singular do Príncipe Dom Luís, o filho da Princesa Isabel e do Conde d’Eu, neto de Dom Pedro II e herdeiro presuntivo do trono brasileiro. Nascido em Petrópolis, a 26 de janeiro de 1878, morreu em Cannes, a 26 de março de 1920, após uma vida heróica e aventurosa, bafejada de auras gloriosas e tocada da graça altiva de um ideal humanitário.
Enquanto ainda no Brasil, estudou o menino príncipe sob a direção de Ramiz Galvão. Na França, foi a princípio aluno do Colégio dos Padres Eudistas, em Versailles; seguiu, depois, o curso do Coleio Stanislas, em Boulogne. Nesse estabelecimento de ensino obteve o 1º lugar no Concurso Geral de Literatura, sendo necessário salientar que êsse concurso, organizado pela Sorbonne, tinha por fim classificar o melhor entre os melhores: cada colégio de França enviava seus primeiros alunos como candidatos. Completou os estudos no Colégio Vaugirar (Jesuítas) (Curso de Filosofia e Matemática). Finda essa parte de sua vida de estudante, desejou o jovem príncipe brasileiro cursar a Escola Militar Brasileira, desejo que não pôde ser satisfeito. Obtendo, então, consentimento do Imperador Francisco José, ingressou na Escola Técnica de Artilharia da Áustria. Terminando o curso, serviu no Regimento de Artilharia de Gratz, e, mais tarde, a fim de estudar a arma de cavalaria, estacionou no 5.º Regimento de Hussaros.
Ao começar a guerra de 14, obteve do Rei da Inglaterra licença para combater com Exército Inglês, o que explicou em carta a amigos do Brasil:
“Apesar de contar com amigos no Exército Austríaco, e ter nele servido, habilitei-me no Exército Inglês. É preciso que não prevaleça a opinião de que tratados são farrapos de papel. Êsse conceito, uma vez vitorioso, será o fim das nações desarmadas. O Brasil seria uma das vítimas. Quando se joga o destino da humanidade, não é possível haver neutralidade”.
Bastaria êsse gesto para reconciliá-lo com os inimigos da monarquia. Era, como se manifestou em outra eventualidade, “brasileiro antes de ser monarquista”
Fês, pois, a campanha no Exército Inglês e, além das condecorações inglêsas, recebeu a Cruz de Guerra e a Legião de Honra da França, e a Medalha de Yser, conferida pela Bélgica.
A permanência nas trincheiras de Ypres, durante a guerra de 14, abalou-lhe a saúde e veio a morrer em conseqüência de sua dedicação à causa da humanidade. Destoaria, porém, falarmos aqui de morte a respeito de um morto que para nós agora mais do que nunca vive. Pouco o conhecíamos, mas vamos amá-lo através de suas páginas, se já não amávamos por sua palavras sôbre o Brasil: em 1909, vendo periclitar a situação política de sua pátria, declarou:
“Não sou partidário da política “quanto pior melhor”! Não devemos desejar o naufrágio da nau para tomar conta dela. Queremos, fora de qualquer consideração de partido, o bem da nossa Pátria, seu desenvolvimento moral, intelectual e material. Essa deve ser nossa plataforma, quaisquer que sejam os acontecimentos.”
Ainda em 1911: “como brasileiro lastimo profundamente tôdas as catástrofes que estão se acumulando sôbre a nossa desgraçada Pátria. Como monarquista, deveria, talvez, regozijar-me, mas sou brasileiro antes de ser monarquista.”
Encheu a vida de sonho, de poesia, de aventura. Não era o clássico turista, que vê para ter visto. Seu espírito era uma fôrça da natureza como aquelas que tantas vêzes seu invólucro humano enfrentou. Intrépido, metia-se pelo perigo como quem busca na vida aquilo que só fora dela se pode encontrar. Nessa arriscada viagem aos lugares “onde quatro impérios se encontram”, prosseguiu sem desfalecimentos até o fim, vendo os companheiros desertarem em meio à jornada. Através das páginas que deixou escritas, nesse maravilhoso diário de viagem, aparecem-lhe translúcidos os sentimentos, transformando a personalidade dêsse príncipe-soldado num amante da beleza, num pesquisador do sonho, num cavalheiro-andante do ideal. Não o interessavam os lugares banalizados pelos contatos humanos. Não pretendia divertir-se, viajando. Procurava algo que poucos encontram. Nas solidões geladas, nas neves e nos cumes, sentia a alma alçar-se para adiante aos horizontes humanos, “sem outros limites além das fôrças incompreensíveis que regem o universo”. Sua alma precisava dêsses êxtases, buscando incessantemente êsse objetivo fugidio que a distância afastava em vez de aproximar. Procurando as nuvens, os picos, as geleiras, encontram-se a si próprio, pois seu espírito fazia parte dessas coisas eternas e elevadas.
Afeiçoado à literatura, publicou quatro livros: “Dans les Alpes”, “Le tour d’Afrique”, “A travers l’Hindo-Kush” e “Sous La Croix Du Sud”. Deixou escritas, mas não publicadas, as “Notas e observações sôbre a guerra de 14” , obra que o General Balfourier aconselhou que não fôsse publicada antes de decorridos alguns anos, para que pudessem os espíritos receber com serenidade “êssa crítica um tanto forte”. Deixou também notas sôbre dois livros que planejava escrever: “O Socialismo” e “Palestina e Egito”. “Sous La Croix du Sud” foi premiado pela Academia Francesa e pela Sociedade de Geografia da França. “A travers l’Hindo-Kush” recebeu prêmio C. Walter Brun (Medalha de Ouro) da Sociedade de Genealogia da França.
Casado com Dona Maria Pia de Bourbon Sicília, teve três filhos: o primogênito Dom Pedro Henrique, que, com o falecimento de seu pai, é o Chefe da Casa Imperial do Brasil, Dom Luís Gastão (falecido) e Dona Pia Maria. Recebi das mãos de Dom Pedro Henrique a honrosa investidura de traduzir êste belo livro. Seu intuito não é comercial. Deseja êle apenas tornar conhecida e amada do público brasileiro a memória de seu augusto pai.
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LÀSINHA LUÍS CARLOS DE CALDAS BRITO.
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