Na revista do Livro de março 1960, Alexandre Eulálio escreve sobre Dom Luiz
In Revista do Livro – órgão do Instituto Nacional do Livro, do Ministério da Educação e Cultura, nº 17, ano V, março de 1960, páginas 139 a 148. Por Alexandre Eulálio, com excertos de João do Rio, na Revista Leitura para todos, quando da morte do Príncipe.
A grafia da época foi conservada
Dom Luís, segundo filho da Princesa Isabel e do Conde d’Eu, foi sem dúvida o mais ilustre dos netos do Imperador. Personalidade complexa, ao mesmo tempo intelectual e homem de ação, escritor e sportsman, constitui o tipo de viajante interessado em tudo que lhe pudesse aumentar a experiência de estudioso de ciências sociais. Provam-no os três livros que publicou, relatando as suas impressões da África, da Índia e da América do Sul, sem falar nas notas ainda inéditas sôbre os Estados Unidos, o Extremo Oriente, o Egito. Ainda que contemporâneo de uma época propícia a globe-trotters ociosos, vivendo melhor ou pior um ideal de Fradique Mendes, as Agências Cook não conseguiram embotar em Dom Luís a aguda curiosidade e a intuição sociológica.
Membro de uma dinastia deposta, viveu numa época em que pareciam mais seguars do que nunca as grande monarquias européias; assim, o lugar que ocupava na linha da sucessão da sua família e o seu entendimento superior faziam dêle um chefe de partido nato. Inteligente e culto, afável, insinuante, de larga visão e idéias avançadas, as qualidades de Dom Luís criaram uma aura de simpatia em torno do seu nome de que apenas conseguiram se esquivar os mais ferrenhos opositores. No Brasil, os partidários do Império decaído viam com as maiores esperanças o aparecimento de um líder jovem, surto na própria Família Imperial. Finalmente, acreditavam estes, poderiam coordenar os seus esforços, até então improfícuos, com a vantagem de reunir à bandeira das doutrinas novas, que apaixonavam a mocidade, o peso da tradição. E a política, com as suas exigências, acabou absorvendo esse príncipe brasileiro que o banimento obrigara a se realizar como escritor de língua francesa.
Iniciando-se na arte maior, que desde então vai se tornar o centro dos seus interesses, Dom Luís talvez acreditasse aí poder conciliar os polos opostos da sua personalidade, ao mesmo tempo contemplativa e participante. No entanto, a sua posição excepcional de exilado fazia com que mesmo o melhor dos esforços enviados em prol da Restauração – incremento da propaganda, correspondência dilatada com correligionários e simpatizantes, os dois manifestos lançados à Nação – não lhe parecessem nada mais que trabalho ainda e apenas intelectual, sem o correspondente lado concreto, indispensável ao autor de Tour d’Afrique, A travers l’Hindo-Kush e Sous La Croix-du-Sud. Os três livros do viajante traíam no fundo o gosto fisco da caminhada e um prazer da paisagem, dos quais não será difícil descobrir o excursionista adolescente, que escrevera a entusiástica brochurazinha Dans les Alpes.
Amadureceu êste entusiasmo como vocação de se realizar, tanto no campo da inteligência como no dos acontecimentos. Frustrado nêste último por uma série de imponderáveis que seria longo enumerar, teria apenas na guerra (que talvez lhe aparecesse como um imprevisto convite à ação sempre adiada) a oportunidade para sua fortíssima necessidade de engagement. Essa necessidade profunda de participação ativa não o poderia deixar à margem do conflito que irrompe em 1914. Homem de cultura francesa como o melhor brasileiro seu contemporâneo, e mais, príncipe de Orleans, entraria logo a tomar parte da campanha ao lado dos Aliados. Nesta circunstância mantém um minucioso diário das operações em que toma parte, reação natural num homem para quem o esforço físico só se completa com a disciplina intelectual que o julgue e explique.
Um ano de intensa participação material e moral na guerra esgotaria a sua saúde, que não era especialmente resistente. Desde 1916, atacado pelo reumatismo, torna-se quase um inválido. Após prolongado declínio em que cada vez menos podia afastar-se do quarto, viria a falecer em Cannes, sua residência favorita no sul da França, em março de 1920. Dedicara-se, nos últimos tempos de imobilidade compulsória, a dar forma definitiva ao seu Diário de Guerra, reconstruído sôbre as notas tomadas in loco. Reunia também seus apontamentos para o ensaio que pensava então escrever sôbre o Socialismo, tema que vinha interessando progressivamente o atento observador da realidade européia.
Embora sem o confessar, Dom Luís devia sentir truncado o seu destino. Sacrificara-se voluntàriamente por uma causa generosa; morria aos 42 anos, em pleno vigor da inteligência, após ter empregado uma parcela mínima da sua grande capacidade de dedicação ao país para o qual se preparava – não sem romantismo – para servir desta ou daquela maneira. João do Rio chamou com alguma ênfase, de drama shakespereano à sua vocação heróica frustrada – tema na verdade muito mais para um Tchekoff, cronista do crepúsculo individualista. Para nós, de qualquer modo, êle é sem dúvida uma das figuras mais simpáticas do 1900 nacional, e o devotamento que demonstrou pela sua pátria sentimental representa um singular conflito de cultura que não nos pode deixar indiferentes, no momento em que se começa a pensar o Brasil em têrmos menos convencionais.
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Em Petrópolis os irmãos brincam: Dom Luiz a frente, Dom Antonio e Dom Pedro logo atrás
Dom Luís nasceu em Petrópolis, a 26 de janeiro de 1878, poucos meses depois da Princesa Isabel haver ocupado pela segunda vez a Regência do Império. Depois de uma primeira viagem á Europa, ainda muito menino, seria entregue, assim como o irmão mais velho, o Príncipe do Grão-Pará, e o mais moço, Dom Antônio, ao preceptor Ramiz Galvão, encarregado de zelar pelo progresso intelectual dos três rapazes. Em 84, viagem acompanhando os Condes d’Eu às províncias do Sul. Em 87 ingressa no Imperial Colégio. O 15 de novembro interrompe a sua educação brasileira; segundo o depoimento do mestre Ramiz, então conhecia “mui regularmente a língua pátria e francesa, iniciara o estudo da alemã, tinha noções adiantadas de geografia geral e da do Brasil devassara toda a História Sagrada, conhecia os episódios capitais da história brasileira e generalidades de história nacional de física e de desenho; sabia com segurança a aritmética e começava o estudo da álgebra”.
No exílio continua os estudos no Colégio Stanislas de Cannes, (onde parece ter-se definitivamente revelado a veia literária do jovem, que aí compõe o poema satírico Les Pistolets), depois em Versailles, com os Pères Eudistes, em seguida no Stanislas de Paris. Após o falecimento do Imperador, passado o período do luto, os meninos mais velhos excursionavam com o Conde d’Eu – Alemanha, Inglaterra. Férias de família na Savoia, onde Dom Luís e Dom Antônio ensaiam suas ascensões alpinísticas. Segundo a tradição das famílias reais exiladas, Dom Pedro de Alcântara, e mais tarde os seus irmãos, devem fazer o serviço militar em uma monarquia amiga de mesma religião: Sua Majestade Apostólica Francisco José acede prazerosamente em ter o Príncipe do Grão-Pará, e mais tarde seus irmãos como oficiais do imperial exército austro-húngaro. Em Weiner Neustadt recebem instrução militar os príncipes brasileiros.
Terminada esta fase Dom Luiz aproveita para viajar: África, Ásia, Europa Oriental. Em 1902 já é autor de dois livros, Dans les Alpes, do ano anterior, e Tour d’Afrique, recém aparecido; ambos lhe valem a admissão no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, de que o Conde d’Eu continua a ser Presidente de Honra. Em 1904 visita os Estados Unidos e em 1906 publica A travers L’Indo-Kush, premio Malte-Brun da Societé de Géographie de France e da Academia Francesa.
Cartão comemorativo a vinda de Dom Luiz ao Brasil em 1907. Vê-se o Príncipe ao centro
Desde o tempo da sua viagem à América do Norte tem Dom Luís voltada a atenção para o Brasil, onde o descontentamento reinante parece aos monarquistas favorecer o incremento da propaganda restauradora. Atingndo os filhos da Redentora maioridade política e personalidade própria, parece agora aos seus partidários que lhes poderão apoiar de maneira eficiente, modificando a atitude da Princesa, que continuava o propósito da absoluta discrição do Imperador no exílio. Discute-se também a lei do Banimento, que alguns julgam não passar de um dispositivo transitório do Govêrno de 15 de Novembro, automaticamente afastado pela Constituição de 91, que não o havia ratificado. De temperamento impetuoso, não se vendo tolhido pela posição de herdeiro presuntivo, que cabia ao irmão mais velho, Dom Luís parte para o Brasil, a bordo do vapor Amazone, querendo experimentar de que modo em 1907 reagiria o Gôverno diante do fato concreto de desembarcar, no Rio de Janeiro, um membro da Família Imperial. Afonso Pena tema alguma contrariedade séria pelo agitar das paixões, que logo transparece na imprensa; após consultar Rui Barbosa resolve impedir o desembarque do Príncipe. O advogado dêste impetra habeas corpus, indeferido pelo Supremo Tribunal. Impossibilitado de pisar em terra, tanto no Rio como em Santos (portos em que os correligionários acorreram a bordo para saudá-lo), Dom Luís segue para a Argentina, e depois para o Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai. O relato dessa viagem foi feito com emoção no volume Sous la Croix-du-Sud (1912), editado por Plon e traduzido pelo autor, em colaboração com seu Simplício de Melo Resende, no ano seguinte. (Sob o Cruzeiro do Sul, Societé de l’Imprimerie et Lytographie de Montreaux).
1908 é decisivo para a vida de Dom Luís. Após madura reflexão Dom Pedro de Alcântara resolve abdicar seus diretos à sucessão do trono brasileiro em favor do irmão. Assumindo, por delegação de Dona Isabel, o lugar de pretendente, ficava êle à frente de tôdas as decisões pròpriamente políticas da Família Imperial. Em novembro casar-se-ia com a Princesa Maria Pia de Bourbon-Sicílias, filha dos Condes de Caserta (Chefes da Casa Real de Nápoles) e sobrinha da Imperatriz Teresa Cristina.
Depois do lançamento do seu primeiro manifesto e do nascimento do herdeiro, dois acontecimentos de 1909, a época mais importante da vida política de Dom Luís é 1913, data do segundo documento público que firmou em prol da restauração. A guerra, no ano seguinte, desviaria a sua atenção imediata do Brasil. Quando do rompimento das hostilidades, logo após pedir dispensa do Exército austríaco, tenta ingressar no francês o que não lhe foi permitido dadas as suas relações de parentesco próximo com a Família Real, então no exílio. Engajou-se então no Exército inglês, onde obteve admissão como tenente do Estado Maior das tropas britânicas na França, na qualidade de oficial de ligação do Marechal Douglas Haig. Esteve na linha de batalha de 23 de agôsto de 1914 a 15 de julho de 1915, quando, a saúde muito abalada teve de se retirar do fronte. A este tempo, apesar da sua depressão, candidatou-se no Brasil, à vaga do Almirante Jaceguai na Academia de Letras, tendo sido derrotado por Goulart de Andrade numa campanha em que não foram alheios motivos políticos. Mereceu, no entanto, o voto insuspeito de Rui Barbosa, então o presidente da Casa de Machado de Assis.
Seus últimos anos foram de sofrimento, em Cannes, onde vivia a família da esposa. Aí viria a falecer – exatamente há quarenta anos – no dia 26 de março de 1920.
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A morte de Dom Luís de Bragança e Orleans pode ter sido surpresa para os que não o viram em Cannes, em abril do ano passado. Para os que viram, porem, o doloroso estado de Dom Luís não deixava dúvidas; e cada mês que se passava sem a nova amarga era mais um motivo para manter a admiração pela resistência moral, pela vontade de ferro de Dom Luís. Êsse homem admirável, rico, ilustre, portador de um nome esplêndido, príncipe que era imperador exilado, podia ter passado uma deliciosa vida de prazer de gôzo. Entretanto, os deuses quiseram nele acumular as qualidades boas, só as qualidades boas, de duas família reais. Educado nas altas virtudes de Dona Isabel e do Conde d’Eu, Dom Luís, na tremenda crise moral do mundo, foi assim o realizador de uma breve vida de dever, de inteligência e de vontade.
Num largo período de vários anos eu o vi só três vezes: a primeira na baía de Guanabara, quando o Governo e a tropa se moveram para obstar que êle saltasse no Rio; a segunda, antes da guerra, em Cannes; a tereceira, ainda nessa cidade da Costa Azul, a única que mantém as tradições do ponto de repouso de gente verdadeiramente decente, naquele trecho de mar em que Nice é a bambochata, Monte Carlo é a jogatina, Menton a burguesia a todas as cidades o vício perpétuo e inconsistente dos bárbaros em trânsito.
Guardo dos três momentos a impressão de assistir a três atos de uma peça empolgante, uma peça à maneira dos dramas biográficos de Shakespeare, e apesar de várias cartas com que Dom Luís me distinguiu nos intervalos dêsses encontros, as cartas não disseram mais do que os quadros em que êle aparecia com sua vontade e a sua luminosa alma.
Está muito nítido no meu cérebro o imperecível quadro do primeiro encontro, com seu cortejo de crispantes ridículos, e de espectrais revivescências do passado. Um jornal destacara-me para falar do Príncipe, a bordo do navio fundeado na baía. Fazia um sol de fogo do Cais de Pharoux, cheio de povo, cheio de soldados, cheio de secretas. Um político, então ministro, afirmava-me que as instituições perigariam se o príncipe saltasse na sua terra. Eu sorriria, julgando meio inverossímil a restauração no Cais Pharoux. Mas ali, diante daquela gente, era patente a sem razão do medo. A multidão era bem democracia americana, curiosa, inofensiva, palerma. E a demonstração defensiva dos Govêrno integralmente América Central.
- Que dirá Dom Luís de tudo isso?
Eu não conhecia Dom Luís e julgava-o no molde dos príncipes de Abel Hermant. Mas nesse isntante, por entre a turba, via a teoria dos monarquistas não-adesistas, todos de chapéu alto e sobrecasaca, seguindo para uma lancha. Em atitude aguerrida lá estava Vicente de Ouro-Prêto.
Fui com êles. O navio, cheio de soldados, tinha sido invadido por inumeráveis curiosos. Encontramos, isto é, vimos o príncipe no salão de jantar, ouvindo o discurso de um sargento. O calor era de sufocar. Havia no recinto para mais de quinhentas pessoas. Depois, o príncipe falou. Falava português, com o sotaque de seu pai. Estava nervoso, irritado, irritadíssimo com as precauções escandalosas e idiotas do Gôverno – que poderia ter significado de outro modo o seu não consentimento. Não enfrentava o escândalo com altivez com , com elevação, com decisão.
Conseguindo livrar-se do sargento discursador, Dom Luís subiu ao tombadilho seguido pela onda de curiosos que lhe pedia cartões postais. Aquela gente bem democrática tinha como ideal estar perto de um príncipe e ter a sua assinatura! Que restauração! Por fim, um moanrquista, creio que o Dr. Candido Mendes de Almeida, conseguiu da fôrça aramada e das autoridades civis que se evacua-se o transatlântico da horda curiosa. O comandante do navio devia ter solicitado o mesmo. Assim o grupo maonarquista conseguiu fazer descer o príncipe à sua cabine, enquanto se fazia voltar a terra todos os desocupados que tinham ido olhar o herdeiro do trono.
Desci com os monarquistas. Vicente de Ouro-Prêto apresentou-me a Dom Lúis. E, nas breves palavras que trocamos, vi em Dom Luís o jovem brasileiro que podia ser exemplo e modelo dos jovens brasileiros: manado a sua pátria, certo de seu futuro, sensato, altivo, inteligente, bom. Nada das infantilidades, dos enganos esperados. Um conhecedor do Brasil e um sociológico.
Duas horas depois subimos ao tombadilho, já livre da invasão curiosa. E aí, de repente, o meu coração tremeu encarando um passado de ontem, que parecia secular. Todas as velhas titulares que ainda podiam andar e que, retiradas da vida, eram julagadas mortas, todos os velhos áulicos sobreviventes, lá estavam para beijar a mão de sua alteza.
- Alteza, a Marquesa de S...
Uma velha senhora, de vestido roxo, bandós na face enrugada, balbuciava:
- Quantas vezes tive Vossa Alteza ao colo!
Dom Luís apertava as mãos nervosamente, dizia reconhecer, continuava maquinal dando notícias da Princesa, dos irmãos. E os espectros continuavam a desfilar, no azul esplêndido do dia, era pungente, era inexistente na sua amarga realidade. Deus! Que pensaria aquêle jovem, retido lai pelo pavor republicano, afce a face com aquêle relembrar do passado, do nobre e familiar tempo tranqüilo de menino? Que desastre para uma alma imperial!
Quando caía a tarde, Ouro-Prêto falou a Dom Luís.
- Sim, sim. Quero vê-lo.
Ouro-Prêto fez um sinal, e por trás das cadeiras surgiu um negro ainda forte posto que idoso.
- Senhor! Senhor!
Êle estava de joelhos. Fôra banhista de Sua Alteza. Ensinara Dom Luís a nadar. E, doce criatura sincera, resumia a sinceridade e a dor alegre de todas aquelas nobres relíquias da Monarquia.
- Meu Senhor! Meu Senhor!
- Dê-me a sua mão. Lembro-me de V. Sou seu amigo.
Então, o negro ergueu-se aos soluços e Dom Luís, e Dom Luís com o coração de sua Mãe excelsa, abraçou o negro, êle também, sem poder conter as lágrimas...
Oh! Essas lágrimas existiram nos seus olhos azuis enquanto esteve na Guanabara. Encostado à amurada, indagando, informando, preocupado com o nosso exército, de súbito interrompia-se. E eu via bem a curiosa dor do exílio irrevogável pela primeira vez sentida, dentro de sua pupila azul...
Anos depois, em Cannes, o príncipe acolheu-me como um general moço acolhe um moço cheio de espernaças. Jovem, o seu pefil era grave; a sua voz era cheia de persuasão. Não me falou de restauração, de monarquia. Colocou o seu caso como uma resultante de uma situação especial, que devia respeitar. Mas falou do Brasil, dos seus homens, do seu progresso, do que se devia fazer – do Exército, da Marinha. Um grande Exército brasileiro, sempre maior, digno das tradições, era uma das suas idéias fixas. Êle falaria ao Presidente e ao Ministro da Guerra para expor o seu plano.
- E a mocidade? As pátrias jovens precisam do calor e da fé da juventude. Quando o serviço obrigatório? Mas espontâneo, entusiástico! Quando dizia essas cousas, como fôssemos a passear, apressava o passo, adiantava-se. Era como se desejasse tomar o navio e correr ao Barsil, não como príncipe herdeiro, mas como jovem para os seus patrícios jovens. Ao recordá-lo assim, lembro um trecho de carta sua “- porque o momento futuro sendo de violenta transformação da Europa e conseqüentemente da entrada das nações da América no circulo das grandes potências econômicas, nenhum outro país como o Brasil pode se fazer primeiro desde que todas nós tenhamos a vontade solidária de fazê-lo grande”.
O desprendimento pessoal do herdeiro do trono do Brasil pelos seus direitos ploíticos era uma conseqüência natural de sua inteligência agudíssima. O calor com que conservava o patriotismo brasileiro prova da sua grande alma. E da comparação dêsse homem com os estadistas que o não deixavam passear pela avenida não resultava nada de lisonjeiro para os segundos.
Mas os estadistas da República de 89 são, não só muito mais egoístas, como muito prudentes e assaz odientos. Há trinta anos esses propagandas não encontram homens novos que os substituam nos cargos. Há trinta anos eles, sempre eles, vem decretando a falência da inteligência dos seis lustros republicanos, pois só eles são capazes. E há trinta anos, o mesmo ódio á Família Imperial; às cinzas de Dom Pedro abandonadas em Soa Vicente de Fora, banidas do Brasil, a Dona Isabel, banida sempre, aos netos de Dom Pedro, banidos sem ter do Brasil, que amavam, senão negações.
Quando resolvi votar em Dom Luís para a Academia Brasileira, Pinheiro Machado mandou chamar-me, furioso; dois ministros, aliás inteligentes, tiveram agudos interrogatórios a propósito da minha inconveniência, e houve positivamente uma nova propaganda republicana para não se fazer membro da Academia Brasileira um príncipe brasileiro, um homem ilustre brasileiro, uma alto escritor brasileiro, um devotado, ardente, generoso patriota brasileiro. E Dom Luís não foi da Academia.
Mas, na dramática situação de príncipes numa época que não comporta príncipes senão de opereta, ou para a ambição mundana de relações de novos-ricos, Dom Luís quis ser um príncipe de verdade, não só na herança do título, como na nobreza da vida. E foi.
Quando rebentou a guerra, entrou a combater no exercito inglês, ao lado dos aliados.
Enfim, a sua vontade de ação encontrava campo, em prol de uma obra generosa!
Êle poderia ter ficado em Cannes. Mas como Dom Luís podia não trabalhar, se sob a ameaça alemã nas portas de Paris, o velho Conde d’EU montava guarda, de carabina ao ombro, voluntário aos oitenta anos? E , Dom Luís, nas trincheiras do front belga, meses em combate, meses com água até o ventre, dormindo na lama, à neve, o seu corpo forte minado pela moléstia. Foi de súbito o reumatismo, como um polvo, prendendo-o sem pernas ao leito.
Foi depois aos poucos o ai dolorido de todo organismo.
Quando o vi em Cannes, após a morte de Dom Antônio, em avião, Dom Luís era pálido, magro, triste. Mas austeramente decidido. Ao ouvi-lo falar, eu lembrava o último ato do grande drama de um príncipe de vontade férrea, querendo refazer uma vida de exemplo imperial na derrocada de todas as instituições, lutando sem o demonstrar e morrendo pelo dever generoso, sem uma palavra que dissesse desilusão, amargura, desânimo.
O mundo moderno está cheio de nobres tragédias, que o ceticismo estridente e a voracidade mesquinha dizem não existir porque lhes falta a inquisição para compreendê-las. Dom Luís foi na sua vida breve não o “raio da felicidade” como Alexandre, mas o duce sem soldados, o patriota sem pátria, o estadista sem realização prática, o vidente de ação sem crentes, o herói altruísta, sem apoteoses. De tudo quanto não pôde realizar êle se talhou, porem, um perfil de nobreza, de direito, de justiça, de dever, êle se mostrou uma alma de Rei, digna de igualar àqueles que mais nobremente o foram nas duas casas de que descendia.
Os brasileiros devem respeitar a sua memória – porque êle amou o Brasil como raramente o Brasil tem sido amado.
João do Rio
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