Princesa Teresa da Baviera: etnóloga, zoóloga e botânica
Para conhecer um pouco mais da tia avó da inesquecível
Princesa Dona Maria da Baviera, de jure
Imperatriz Mãe do Brasil (falecida em 2011), a notável etnóloga, zoóloga e
botânica, Princesa Teresa da Baviera, pioneira em diversos estudos ainda
inéditos para os brasileiros, que será alvo da palestra de Dom Carlos Tasso de
Saxe-Coburgo e Bragança, em 5 de maio, no Instituto Histórico de Petrópolis, o Blog
Monarquia Já transcreve artigo de A.A. Bispo, para o site da Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura:
Nomes da história
intercultural em contextos euro-brasileiros
Therese von Bayern
(1850-1925) - Teresa da Baviera
Por A.A.Bispo
Therese, princesa da Baviera, foi uma das
mais relevantes estudiosas da natureza e da etnografia do Brasil. Infelizmente
até hoje pouco considerada nos estudos brasileiros, vem sendo cada vez mais
reconhecida no seu significado para os estudos interculturais e científicos.
Essa princesa, talvez a de maior erudição entre as aristocratas alemãs do
século XIX, é considerada hoje por alguns estudiosos como sendo nada menos do
que uma personalidade feminina à altura de um Alexandre de Humboldt.
Therese Charlotte Marianne Auguste nasceu em
1850 (batizada no dia 14 de novembro) e faleceu em 1925. Era neta do rei Luís
I° da Baviera, única filha entre os quatro filhos de Luitpold, daquele que
seria príncipe-regente da Baviera, e de Auguste Ferdinande, duquesa da Áustria,
princesa da Toscana. O seu irmão foi o rei Luís III° da Baviera. Recebeu uma
formação profundamente católica, sendo educada sobretudo pela sua mãe, e,
posteriormente, pela mãe da rainha da Baviera. Desde cedo demonstrou grande
facilidade para aprender línguas, paixão pela natureza, pela etnografia de
países não-europeus e por esportes. Adquiriu instrução sobretudo
auto-didaticamente, através de leituras. Chegou a dominar vários idiomas, tendo
conhecimento de 12 línguas, entre elas o russo e o grego moderno.
De personalidade altiva, movida por um
entusiasmo íntimo pelo conhecimento, pela revelação de mundos novos, a sua vida
foi dedicada desde cedo a viagens e a estudos. Percorreu toda a Europa, da
Escandinávia ao Mediterrâneo, das ilhas britânicas aos territóricos balcânicos
e ao Oriente Próximo. Tinha 25 anos quando viajou pela primeira vez ao Norte da
Africa, à Tunísia e Algéria, através da Itália e da ilha de Malta. No retorno,
pela Espanha, Portugal e França, teve contacto com o mundo ibérico e
latino-ocidental. Dessa viagem originou-se o seu primeiro relato de viagens,
publicado em 1880.
A América do Sul constituiu desde cedo o
principal centro de interesses da princesa. Seguia, aqui, a tradição que, desde
Spix e Martius, unia científico-culturalmente a Baviera ao continente
americano. Realizou três expedições à América do Sul, realizando observações em
23 diferentes grupos indígenas até então pouco ou não conhecidos dos cientistas
europeus. Percorreu os pampas argentinos, atravessou os Andes e o deserto de
Atacama. Visitou regiões de difícil acesso no Amazonas e no Leste do Brasil.
Os materiais que trazia das viagens expunha
num museu particular. Após a sua morte, a coleção passou a fazer parte da
Coleção Estatal Científico-Natural da Baviera.
Em 1897, recebeu o título de Doctor
philosophiae honoris causa, a primeira mulher a receber tal honorificência. Foi
nomeada a membro de honra da Academia Real de Ciências da Baviera (1892), da
Sociedade Geográfica de Munique (1892), a membro correspondente da Sociedade de
Geografia de Lisboa (1897), a membro de honra da Sociedade Geográfica de Viena
(1898), da Sociedade Antropológica de Viena (1900/01) e da Sociedade dos
Americanistas de Paris (1908/09), assim como da Liga dos Pesquisadores Alemães
(1910), da Sociedade Alemã de Antropologia, Etnologia e Pré-História em Berlim
(1913) e da Sociedade Antropológica de Munique (1920). Foi condecorada com a
medalha de honra de ciência e arte austro-húngara e recebeu o título de oficial
da instrução pública do Ministério francês da Instrução (1909).
Apesar de todo o interesse científico,
manteve o seu empenho pelas organizações católicas de cunho educativo e social.
Escreveu textos para uma publicação infanto-juvenil (Jugendblätter für
christliche Unterhaltung und Belehrung), apoiou diversas instituições
religiosas, em particular a associação da Liga das Senhoras Católicas da
Baviera, realizando conferências sobre a natureza e os idiomas da América do
Sul.
Durante a Primeira Guerra Mundial, passando a
residir na Villa Amsse perto de Lindau, transformou a sua casa no Lago de
Constança em lazareto.
Por ocasião dos 100 anos do seu doutoramento
de honra, em 1997, erigiu-se a Fundação Therese von Bayern para o fomento de
mulheres nas ciências. Nesse ano, outorgou-se pela primeira vez o "Prêmio
Therese von Bayern".
Obras (Seleção): Excursão a Tunis, Munique (Ausflug nach Tunis, München, in:
Jugendblätter für christliche Unterhaltung und Belehrung, 26 1880,
545-571), Impressões de viagem e esboços da Rússia (Reiseeindrücke und Skizzen aus Rußland, Stuttgart 1885); Sobre o
círculo polar (Über den Polarkreis,
Leipzig 1889); Sobre lagos mexicanos (Über
mexikanische Seen, Wien 1895); Minha Viagem aos Trópicos Brasileiros (Meine Reise in den Brasilianischen Tropen,
Berlin 1897); Sobre o objetivo e gastos de minha viagem realizada em 1898 à
América do Sul (Über Zweck und Ausgaben
meiner 1898 nach Südamerika unternommenen Reise, München 1898/1899); Sobre
a minha foca de água doce na Colombia (Über
meine Südwasserrobbe in Columbien, München 1900); Escritos sobre uma viagem
à América do Sul (Schriften über eine
Reise nach Südamerika, München 1900); Numa viagem às ilhas ocidentais e à
América do Sul (Auf einer Reise in
Westindien und Südamerika; Jena 1902); Algo sobre os índios Pueblo (Einiges über die Pueblo-Indianer, in:
Völkerschau, 2 1902, 4-6, 38-42); Algumas palavras sobre a evolução cultural no
Perú pré-hispânico (Einige Worte über die
Kulturentwicklung im vorspanischen Peru, in: Münchner Jahrbuch der Bildenden Kunst, 1. Halbjahrsband
1907, 1-7); Estudos de viagem da América do Sul ocidental (Reisestudien aus dem westlichen Südamerika, 2 Bände, Berlin 1908).
A expedição de caça do príncipe Arnulf von Bayer no Tian-Shan ( Des Prinzen Arnulf von Bayern Jagdexpedition
in den Tian-Schan, München/Berlin 1910).
[Excertos de trabalhos]
Therese von BayernTherese von Bayern
(1850-1925)
Subsídios para a história das relações
científico-culturais entre a Baviera e o Brasil
Partes de conferência proferida no âmbito da
exposição "Pedro II e as Ciências" na Academia Brasil-Europa,
Colonia, 1997, por A.A.Bispo
(Tradução do alemão)
(...)
O caráter científico da obra
O objetivo da viagem da Princesa Theresa da
Baviera (1850-1925) ao Brasil foi o de conhecer os trópicos, visitar o maior
número possível de tribos indígenas e realizar coleções de plantas, animais e
objetos etnográficos.
Após o retorno da autora à Europa, os
materiais coletados foram comparados com objetos conservados em acervos de museus
europeus e dos Estados Unidos. A autora realizou também observações de culturas
indígenas de 17 grupos da América do Norte.
Os resultados das investigações, versados em
forma de diário de viagem, foram publicados em 1897, e oferecidos à memória do
ex-imperador do Brasil, Pedro II°.
Como a própria autora admite, a escolha dessa
forma de apresentação foi infeliz, pois uma organização sistemática dos
assuntos teria sido mais adequada ao caráter científico e de alta erudição da
obra. Chegou a anotar 500 nomes de grupos indígenas.
Na sistematização e análise dos materiais
coletados, a autora recebeu o apoio de instituições e estudiosos de vários
países. A sua lista de agradecimentos é uma impressionante prova de colaboração
científica entre os estudiosos que se dedicavam a assuntos brasileiros na
Europa. Do Brasil, cita Orville A. Derby, de São Paulo, e Goeldi, do Pará. Os
museus que mais colaboraram foram o de Munique, sobretudo através dos
especialistas dos departamentos de zoologia, paleontologia, mineralogia e
pré-história, o de Viena, principalmente através dos especialistas da seção de
história natural, de Berlim, respectivamente do museu de história natural e do
museu de botânica, e, por fim, do Museu Britânico. Entre os especialistas
consultados, salientam-se botânicos, tais como Weiss, de Freysing e Dingler de
Aschaffenburg, Schenk, de Darmstadt, Köhne, de Berlim, Mez, de Breslau,
Cogniaux, de Verviers, Stapf, em Kiew e Petersen, em Kopenhagen. Entre os
zoólogos, recebeu apoio de Otting, de Munique, de Berlepsch, de Münden, de
Forel, de Zurique, e do Barão de Sélys-Longchamps, de Liège.
(...)
Estudos no Museu Nacional: instrumentos
musicais
No Museu Nacional, a princesa observou com
especial cuidado, entre outros materiais, várias lanças sonoras de diferentes
tribos do Amazonas, com as quais os tuchauas marcam o compasso das danças.
Adquiriu no Rio de Janeiro um exemplar dos bastões de ritmo de madeira dura,
com um depósito oco numa parte, feita através de aquecimento da madeira, no
qual se colocam seixos. Uma ilustração desse instrumento oferece na Tafel II N°
9 do seu livro.
Observações de expressões culturais africanas
na Amazônia
(...)
Para os
estudos culturais, surgem como significativas as observações feitas na Amazônia
pela autora, apesar de certa singeleza do estilo descritivo utilizado na
publicação. Assim, no Pará, Th. von Bayern menciona que ouviu música de
africanos num terreiro. Dançaram mulheres, homens e crianças com canto que lhe
soou monótono, repetindo sempre as mesmas palavras. Empregaram-se tambores,
feitos de um só tronco comprido, oco, com couro lateral, sobre o qual os
músicos se sentavam e percutiam. A dança pareceu-lhe "selvagem". Os
participantes levantavam os braços para o alto, as vezes tocavam-se, pulavam e
quase sentavam-se no chão ou jogavam-se à terra, para logo a seguir pularem
para o alto. O que observou pareceu-lhe insólito.
(...)
Interesse pela ação missionária junto aos
indígenas
No Amazonas, a princesa entrou em contacto
com um missionário que atuava junto ao povo Mundurucú e com o vigário geral de
Manaus, onde vivia uma índia procedente da cultura Miranha. Constatou o amor
pela música nesse ambiente, sendo recebida com música de piano e solicitada
também a tocar.
(...)
Visita a aldeias no Rio Negro
(...)
Visitou a aldeia Juaupery ou Crichaná, num
braço esquerdo do Rio Negro. A aldeia muito sofrera em 30 anos de guerra com os
povoadores brancos do Rio Negro. Somente em 1884 é que se estabelecera paz. A
autora menciona o uso de flautas feitas de braços ou de fêmur de inimigos.
(...)
Observações de grupos indígenas do Leste do
Brasil: Botocudos
(...)
Das suas viagens por outras regiões do
Brasil, cumpre mencionar as observações que fez no Espírito Santo. Nessa
região, constatou uma alta porcentagem de índios civilizados, em número apenas
superado pelas províncias do Amazonas e do Mato Grosso. Distinguiu três grupos
indígenas: Goyatacá, Gê e Tupi. Teve informação, também, da existência de
muitos indígenas ainda não contactados, vivendo nas florestas daquela
província.
O mais importante dos grupos estudados foi o
dos Botocudos (Aymoré,, nome próprio Buru). Quis conhecer a "horda"
que vivia no Rio Doce, no limite do Espírito Santo e Minas Gerais, do grupo do
Nak-nanuk.
Visitou o aldeamento Mutum, um povoado
fundado pelo Govêrno com o objetivo de trazer os índios para a civilização.
Indivíduos de grupos ainda não integrados eram atraídos e reunidos em pequenas
aldeias. Essas localidades estavam sob a direção de um diretor, contando também
com um missionário, com um tradutor, com alguns artesãos e soldados. Na
prática, porém, devido à falta de sacerdotes, não havia missionário, ficando a
missão abandonada. Os índios recebiam ensinamento através dos poucos soldados
ali estacionados. Os diretores, no isolamento das matas, faziam o que
desejavam. Assim, não se cumpria o objetivo dos aldeamentos. Esses aldeamentos,
dirigidos por leigos, seriam apenas um triste reflexo das missões jesuitas do
passado.
Descrição de danças dos Botocudos
Do ponto de vista etnomusicológico, cumpre
salientar o relato que a autora oferece de danças realizadas em sua homenagem.
Os índios dos aldeamentos prepararam, por
exemplo, um dança noturna à frente da sua cabana. De início, dançaram apenas as
mulheres, cada uma delas pondo o braço nos ombros da vizinha da direita e da esquerda,
de modo a formar uma corrente ou um anel. Com os braços entrelaçados, dançaram
em corrente, levemente tendentes à direita, vagarosamente, elevando-se nos
dedos dos pés e movimentando-se para a esquerda. O canto era ritmado,
consistente em poucos sons, e anasalado. O texto resumia-se às palavras
"kalani aha" e descrevia os acontecimentos do dia. No caso, que
tinham vindo dançar, que iam receber café, etc.
Posteriormente, os homens entraram na dança,
colocando-se de tal forma em círculo que ficavam um ao lado do outro. Os seus
movimentos eram diferentes dos das mulheres, colocando a perna direita para
trás e a esquerda para frente. A cada movimento da cintura direita davam uma
leve pressão para a frente do joelho esquerdo. As plantas dos pés, nunca
totalmente elevadas do chão, eram levantadas até a metade, permitindo assim um
arrastar para a frente, sempre em direção à esquerda. Às vezes cantava um dos
dançarinos, às vezes outro, às vezes com voz baixa ou alta. Um deles latia como
um cão e grunhia como um porco, o que parecia ser lembranças de caça. Também
crianças tomaram parte nessa dança.
Singularmente, esse espetáculo lembrou à
autora exercícios religiosos dos Derwische, diferenciando-se, porém, pelo fato
de os índios manterem estável a parte superior do corpo e por não haver
tremores.
A autora qualifica
como inesquecível a dança de Botocudos ao redor do fogo à noite, com ruídos e
cantos monótonos. Para ela, aqueles indígenas, que viviam em grupos que eram
inimigos entre si, situavam-se num estágio muito baixo, talvez o mais baixo da
evolução, vivendo ainda na Idade da Pedra. Intelectual e moralmente
pertenceriam aos grupos humanos dos mais inferiores. De caráter, seriam
preguiçosos, ladrões, ávidos de comida e coléricos, sendo porém de boa índole,
quando bem tratados. A religião seria muito simples e não apresentava nenhuma
forma de culto; nem mesmo possuíam pagés; seria duvidoso que acreditassem num
ser superior, constatou apenas a crença em maus espíritos. Entre os poucos
objetos que possuiam, deu especial atenção aos instrumentos sonoros: tubos de
fala de rabo de tatu e flautas de bambu que assopravam pelo nariz.
(...)
Riqueza das coleções e do material examinado
A obra Nos trópicos brasileiros da Princesa
da Baviera impressiona pela quantidade do material coletado e pelo cuidado de
sua análise e caracterização. As imagens etnográficas são pormenorizadamente
descritas. Registros de nomes e de matérias facilitam a consulta. A
bibliografia é extraordinariamente extensa. A publicação é ilustrada em grande
parte com fotografias que a própria autora tirou, o que empresta um valor
documental inestimável à obra. Trata-se de uma publicacão modelar, não apenas
para a época em que foi realizada.
A princesa da Baviera merece a gratidão dos
estudiosos brasileiros pelo trabalho desinteressado que realizou.
(...)
Antonio Alexandre Bispo
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